O crime que eu cometeria




Durante minhas aulas particulares de inglês, a professora de vez em quando usa um baralho especial para estimular a conversação, o Conversation Starter. Cada carta traz uma pergunta inusitada, algo para estimular uma resposta que obrigue o aluno a buscar um vocabulário que normalmente não usa. Na última aula, usamos o baralho e caiu para mim o seguinte: qual o crime que você cometeria, caso tivesse certeza absoluta que jamais seria pego?
Como tudo não passa de uma brincadeira, minha professora disse que há quem mate a sogra e relate o assassinato em minúcias.

Esses alunos inspirados rendem aulas mais produtivas e divertidas do que os certinhos que respondem: “None”. Pô, crime nenhum? Como é que vai desenvolver o vocabulário com essa honestidade toda?
Eu não inventei um crime estapafúrdio para divertir a professora, mas tampouco fiz o papel de lady tomada pela virtude.

Pensei, pensei, e respondi que sonegaria imposto. Não daria um tostão para o governo. Não enquanto os benefícios em troca fossem essa vergonha nacional.


Todos os meses, assim como você, pago uma fortuna aos cofres públicos. E pago também previdência privada, seguro-saúde, seguro do carro, escola particular para os filhos e um condomínio alto por mês por causa das grades, da guarita blindada, do vigia 24 horas.
Para onde vai o dinheiro que deveria custear nossa segurança e bem-estar?

Para o bolso de algum empreiteiro, para o bolso de algum político, para a conta particular de alguma Rosemary. Recentemente conversei com um estrangeiro que está no Brasil fazendo parte de uma comitiva ligada à gestão da Copa do Mundo: confirmou que a roubalheira é a coisa mais escandalosa que já testemunhou.

Não sou contra a Copa aqui no Brasil porque sei que esse dinheiro não está sendo desviado da saúde e da educação.
É um dinheiro que surge milagrosamente sempre que há um megaevento de visibilidade mundial.
Não houvesse Copa no Brasil (como não houve em 2010, 2006, 2002...), o dinheiro continuaria parado no bolso de alguns, como sempre ficou.
Ao menos, com Copa, algumas obras estão sendo feitas, menos mal.

De qualquer forma, é um fiasco.
Com a dinheirama que se arrecada cada vez que abastecemos o carro, cada vez que compramos feijão, cada vez que ligamos o abajur, e mais ainda com o que tiram do nosso salário, jamais deveríamos ver doentes sendo recusados em portas de hospitais, nunca um aluno poderia estudar sem material e merenda e era para ter um policial em cada esquina.

Sempre me dei bem com minhas sogras, estão todas a salvo da minha sanha assassina.
E nunca soneguei imposto, pois cumpro as leis, mas está na hora de o país retribuir à altura e parar, ele sim, de sonegar dignidade ao povo, até porque a tal “certeza absoluta de não ser pego” começa, lentamente, a deixar de ser tão absoluta.
Ora, malha fina para eles também.



Martha Medeiros

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